Newsletter
Subscreva a nossa newsletter

Newsletter

FacebookTwitter
Jornal do Concelho de Oleiros | Francisco Carrega | Periodicidade: Trimestral | Novembro 2024 nº92 Ano XXIII
Mário Antunes, 85 anos, homenageado em exposição pela freguesia Oleiros/Amieira
O mestre que trabalha a madeira
GEDC2106.JPGMário Antunes nasceu em Oleiros no dia 14 de janeiro de 1931. Aos 85 anos mantém a lucidez e o olhar vivo que o acompanharam toda a vida. Artesão de primeira água, recorda nesta conversa, os tempos da infância, o impacto que segunda grande guerra mundial teve em si, a sua passagem por África e a concretização do sonho de ter a sua casa e uma carpintaria. A conversa aqui fica, numa altura em que a Freguesia de Oleiros/Amieira apresenta uma exposição que lhe é dedicada, com 40 trabalhos feitos pelo "Ti Mário". A mostra pode ser vista até ao próximo dia 10 de Abril, com entrada gratuita.
 
O que recorda da sua infância?
Apanhei, em cheio, o impacto da 2ª Grande Guerra Mundial, que começou quando eu tinha 8 anos. Era tempo de crise, mas as pessoas estavam mais bem preparadas para a enfrentar, não se rejeitava o pão rijo, mesmo que já tivesse mais de 8 dias, não havia pessoas ou instituições a apelar a contestações ou reivindicações, todos aceitavam com resignação os sacrifícios que a época e o sistema impunham. Não havia médicos, mas as doenças eram menos do que hoje. Para além do sarampo, dor de cabeça, muitas outras nem se conhecia o nome pelo menos no nosso meio. 
 
E como era o dia-a-dia nessa época?
Apesar de tudo, havia alegria desde manhã, até noite dentro. Ouviam-se pessoas a cantar: o pastor, o resineiro, as pessoas da ceifa, das mondas, das vindimas, da apanha da azeitona e por aí fora. À noite, rezava-se o terço, contavam-se histórias e anedotas, para além de outras brincadeiras. Aos domingos, havia bailaricos por toda a parte, ao som do harmónio ou concertina; as pessoas cantavam, dançavam, conviviam, penso que viviam felizes. Eu era feliz.
 
O senhor andou na escola. Até quando estudou?
Comecei a frequentar a escola primária em 1939, ano em que começou a dita 2ª Grande Guerra, que tanto sofrimento causou às gerações que viveram essa época. Tive como professor um senhor chamado João Nunes de Azevedo, um homem exemplar que foi um primeiro guia a contribuir para a formação do meu carácter, para além da minha família e da qual me orgulho.
Terminei a 4ª classe em 1942 e a partir daí começou o trabalho duro, desde guardar cabras, resinar pinheiros, trabalhar na construção da estrada Oleiros-Castelo Branco, cavar na terra, trabalhar no campo. Tudo isso fez parte da minha infância, mas isso não foi para mim um martírio, eu só queria ser tão bom como os outros e tentar ser melhor.
 
E quando começou a trabalhar com a madeira?
Aos 17 anos comecei a aprender a profissão de carpinteiro com um senhor chamado João Cristóvão, homem com muito saber, honestidade, bondade e tolerância a quem devo a maior parte de tudo aquilo que aprendi na vida.
Depois veio a tropa, aí também aprendi alguma coisa porque na tropa há gente com qualidades diferentes e quem quer aprender o bem junta-se aos bons, mas quem se junta aos maus não aprende nada de bom.
 
GEDC2109.JPGSabemos que viveu em África durante alguns anos. Valeu a pena?
Depois a permanência em Angola de 1955 a 1975, aprendi alguma coisa porque aí havia gente de todo o país com culturas diferentes. Tive bons amigos que me ajudaram muito, ganhei algum dinheiro mas regressei a casa em outubro de 1975, com 4.750$00 no bolso e uma mala com roupa. (No dinheiro de hoje, equivale a cerca de 24 euros).
A seguir a isso tive de começar de novo. Peguei numa caixa de ferramentas às costas e andei a trabalhar a quilómetros de distância até conseguir o meu carrito uma "DIANE", que foi também um grande amigo porque me transportava a mim e à ferramenta.
 
Nessa altura ainda não tinha a carpintaria?
Não. Só mais tarde consegui a concretização de um sonho: a casa e uma carpintaria, isto conseguido sem recurso a ajudas de bancos ou de outras instituições. Tudo foi conseguido à custa de muito trabalho aos sábados e domingos, serões e madrugadas. Todo o tempo foi aproveitado, mas consegui e com uma recompensa. É que enquanto a oficina trabalhou, nunca tive uma única reclamação e, ainda hoje, sou constantemente felicitado pelo estado do trabalho feito, algum há mais de 30 anos.
 
Após tantos anos de vida e de luta, como se define a si próprio?
Olhe, para aqueles que me tentam puxar para baixo e que não gostam de mim, o Mário não existe. Será que já morreu? Olhe que não.
Mas para aqueles que me ajudam, que estão ao meu lado nos bons e nos maus momentos, o Mário está aqui, sempre pronto para ajudar naquilo que puder e sempre com respeito e amizade. Sou apenas o " Ti Mário".
F.D.
F.D.