Mário Antunes, 85 anos, homenageado em exposição pela freguesia Oleiros/Amieira
O mestre que trabalha a madeira
Mário Antunes nasceu em Oleiros no dia 14 de janeiro
de 1931. Aos 85 anos mantém a lucidez e o olhar vivo que o
acompanharam toda a vida. Artesão de primeira água, recorda nesta
conversa, os tempos da infância, o impacto que segunda grande
guerra mundial teve em si, a sua passagem por África e a
concretização do sonho de ter a sua casa e uma carpintaria. A
conversa aqui fica, numa altura em que a Freguesia de
Oleiros/Amieira apresenta uma exposição que lhe é dedicada, com 40
trabalhos feitos pelo "Ti Mário". A mostra pode ser vista até ao
próximo dia 10 de Abril, com entrada gratuita.
O que recorda da sua
infância?
Apanhei, em cheio, o impacto da
2ª Grande Guerra Mundial, que começou quando eu tinha 8 anos. Era
tempo de crise, mas as pessoas estavam mais bem preparadas para a
enfrentar, não se rejeitava o pão rijo, mesmo que já tivesse mais
de 8 dias, não havia pessoas ou instituições a apelar a
contestações ou reivindicações, todos aceitavam com resignação os
sacrifícios que a época e o sistema impunham. Não havia médicos,
mas as doenças eram menos do que hoje. Para além do sarampo, dor de
cabeça, muitas outras nem se conhecia o nome pelo menos no nosso
meio.
E como era o dia-a-dia
nessa época?
Apesar de tudo, havia alegria
desde manhã, até noite dentro. Ouviam-se pessoas a cantar: o
pastor, o resineiro, as pessoas da ceifa, das mondas, das vindimas,
da apanha da azeitona e por aí fora. À noite, rezava-se o terço,
contavam-se histórias e anedotas, para além de outras brincadeiras.
Aos domingos, havia bailaricos por toda a parte, ao som do harmónio
ou concertina; as pessoas cantavam, dançavam, conviviam, penso que
viviam felizes. Eu era feliz.
O senhor andou na escola.
Até quando estudou?
Comecei a frequentar a escola
primária em 1939, ano em que começou a dita 2ª Grande Guerra, que
tanto sofrimento causou às gerações que viveram essa época. Tive
como professor um senhor chamado João Nunes de Azevedo, um homem
exemplar que foi um primeiro guia a contribuir para a formação do
meu carácter, para além da minha família e da qual me
orgulho.
Terminei a 4ª classe em 1942 e a
partir daí começou o trabalho duro, desde guardar cabras, resinar
pinheiros, trabalhar na construção da estrada Oleiros-Castelo
Branco, cavar na terra, trabalhar no campo. Tudo isso fez parte da
minha infância, mas isso não foi para mim um martírio, eu só queria
ser tão bom como os outros e tentar ser melhor.
E quando começou a
trabalhar com a madeira?
Aos 17 anos comecei a aprender a
profissão de carpinteiro com um senhor chamado João Cristóvão,
homem com muito saber, honestidade, bondade e tolerância a quem
devo a maior parte de tudo aquilo que aprendi na vida.
Depois veio a tropa, aí também
aprendi alguma coisa porque na tropa há gente com qualidades
diferentes e quem quer aprender o bem junta-se aos bons, mas quem
se junta aos maus não aprende nada de bom.
Sabemos que viveu em
África durante alguns anos. Valeu a pena?
Depois a permanência em Angola de
1955 a 1975, aprendi alguma coisa porque aí havia gente de todo o
país com culturas diferentes. Tive bons amigos que me ajudaram
muito, ganhei algum dinheiro mas regressei a casa em outubro de
1975, com 4.750$00 no bolso e uma mala com roupa. (No dinheiro de
hoje, equivale a cerca de 24 euros).
A seguir a isso tive de começar
de novo. Peguei numa caixa de ferramentas às costas e andei a
trabalhar a quilómetros de distância até conseguir o meu carrito
uma "DIANE", que foi também um grande amigo porque me transportava
a mim e à ferramenta.
Nessa altura ainda não
tinha a carpintaria?
Não. Só mais tarde consegui a
concretização de um sonho: a casa e uma carpintaria, isto
conseguido sem recurso a ajudas de bancos ou de outras
instituições. Tudo foi conseguido à custa de muito trabalho aos
sábados e domingos, serões e madrugadas. Todo o tempo foi
aproveitado, mas consegui e com uma recompensa. É que enquanto a
oficina trabalhou, nunca tive uma única reclamação e, ainda hoje,
sou constantemente felicitado pelo estado do trabalho feito, algum
há mais de 30 anos.
Após tantos anos de vida
e de luta, como se define a si próprio?
Olhe, para aqueles que me tentam
puxar para baixo e que não gostam de mim, o Mário não existe. Será
que já morreu? Olhe que não.
Mas para aqueles que me ajudam,
que estão ao meu lado nos bons e nos maus momentos, o Mário está
aqui, sempre pronto para ajudar naquilo que puder e sempre com
respeito e amizade. Sou apenas o " Ti Mário".
F.D.