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Jornal do Concelho de Oleiros | Francisco Carrega | Periodicidade: Trimestral | Novembro 2024 nº92 Ano XXIII
opinião
Aproveitamento de excedentes agrícolas, uma solução com futuro

226230_1946104822145_1528283821_32057036_6382741_n.JPGO aproveitamento dos excedentes provenientes da agricultura de pequena escala, dita de subsistência ou familiar, é uma tendência atual que resulta de alguma adaptação das mentalidades. Face à conjuntura que se vive e à evolução dos novos paradigmas de desenvolvimento, esta parece ser uma opção racional que pode gerar algum acréscimo de rendimento entre os produtores, ao mesmo tempo que cria riqueza em territórios rurais.

Se nos reportarmos às primeiras civilizações, reparamos que os excedentes agrícolas tiveram um papel preponderante no seu surgimento. Com a descoberta da agricultura e com a divisão do trabalho durante o Neolítico, as sociedades passaram de só produzir para satisfazer as suas necessidades básicas a produzir mais do que necessitavam para subsistir. Começaram a sobrar alimentos e de uma economia de subsistência passou-se para uma economia de excedente.

A partir deste momento, com a alimentação das populações assegurada, tornou-se possível armazenar e conservar alimentos para consumir noutras épocas de maior escassez e começaram a surgir com regularidade intercâmbios de bens, sob o regime de troca direta entre povos, a qual esteve na génese do conceito de comercialização agroalimentar.

artigo cópia.jpgA existência de excedentes permitiu também que um setor da população abandonasse o trabalho agrícola para se dedicar a outro tipo de atividades, dando origem à especialização em ofícios e a uma primeira divisão social do trabalho. As sociedades, sendo maioritariamente agrícolas, uma vez que grande parte da população se dedicava à agricultura e pecuária, passaram a ser constituídas por outros grupos sociais que entretanto apareceram como os comerciantes, artesãos, sacerdotes, soldados e governantes. A economia de excedente permitiu que estas pessoas, não sendo agricultores, pudessem alimentar-se do que produzia a maioria. É nesta altura que começam a refletir-se as diferenças de riqueza e poder na sociedade.

Com o passar dos séculos, o desenvolvimento da vida sedentária, as novas formas de organização económica nas aldeias e a diferenciação social fizeram com que se operassem transformações ao nível do espaço rural dando lugar aos novos núcleos urbanos e às primeiras cidades, onde a maioria da população não produzia o seu próprio alimento, vivendo do excedente dos produtos agroalimentares.

Reportando à atualidade, face à conjuntura económica e social, o acréscimo de rendimento que os produtores agrícolas e pecuários possam ter, pode ser animador para as economias rurais, muitas delas deprimidas, fruto do abandono de décadas da agricultura. Por outro lado, as preocupações da sociedade pelas questões relacionadas com o ambiente, a saúde e o bem-estar social, a par do reconhecimento da qualidade inerente a este tipo de produtos, obtidos muitas vezes em modo de produção muito semelhante ao biológico, têm levado a uma crescente procura por parte de consumidores cada vez mais esclarecidos.

A ideia de que o futuro parece estar na utilização dos recursos disponíveis aparece cada vez mais generalizada entre as pessoas que começam a dar importância a alguns valores e princípios que haviam esquecido. Do mesmo modo, o aproveitamento dos recursos, em oposição ao desperdício, apresenta-se como uma opção sensata e sustentável, viabilizando o futuro dos territórios rurais e potenciando o bem-estar de gerações atuais e vindouras.

Inês Martins
(Engenheira Agrónoma)