opinião
Aproveitamento de excedentes agrícolas, uma solução com futuro
O aproveitamento dos
excedentes provenientes da agricultura de pequena escala, dita de
subsistência ou familiar, é uma tendência atual que resulta de
alguma adaptação das mentalidades. Face à conjuntura que se vive e
à evolução dos novos paradigmas de desenvolvimento, esta parece ser
uma opção racional que pode gerar algum acréscimo de rendimento
entre os produtores, ao mesmo tempo que cria riqueza em territórios
rurais.
Se nos reportarmos às primeiras
civilizações, reparamos que os excedentes agrícolas tiveram um
papel preponderante no seu surgimento. Com a descoberta da
agricultura e com a divisão do trabalho durante o Neolítico, as
sociedades passaram de só produzir para satisfazer as suas
necessidades básicas a produzir mais do que necessitavam para
subsistir. Começaram a sobrar alimentos e de uma economia de
subsistência passou-se para uma economia de excedente.
A partir deste momento, com a
alimentação das populações assegurada, tornou-se possível armazenar
e conservar alimentos para consumir noutras épocas de maior
escassez e começaram a surgir com regularidade intercâmbios de
bens, sob o regime de troca direta entre povos, a qual esteve na
génese do conceito de comercialização agroalimentar.
A existência de excedentes
permitiu também que um setor da população abandonasse o trabalho
agrícola para se dedicar a outro tipo de atividades, dando origem à
especialização em ofícios e a uma primeira divisão social do
trabalho. As sociedades, sendo maioritariamente agrícolas, uma vez
que grande parte da população se dedicava à agricultura e pecuária,
passaram a ser constituídas por outros grupos sociais que
entretanto apareceram como os comerciantes, artesãos, sacerdotes,
soldados e governantes. A economia de excedente permitiu que estas
pessoas, não sendo agricultores, pudessem alimentar-se do que
produzia a maioria. É nesta altura que começam a refletir-se as
diferenças de riqueza e poder na sociedade.
Com o passar dos séculos, o
desenvolvimento da vida sedentária, as novas formas de organização
económica nas aldeias e a diferenciação social fizeram com que se
operassem transformações ao nível do espaço rural dando lugar aos
novos núcleos urbanos e às primeiras cidades, onde a maioria da
população não produzia o seu próprio alimento, vivendo do excedente
dos produtos agroalimentares.
Reportando à atualidade, face à
conjuntura económica e social, o acréscimo de rendimento que os
produtores agrícolas e pecuários possam ter, pode ser animador para
as economias rurais, muitas delas deprimidas, fruto do abandono de
décadas da agricultura. Por outro lado, as preocupações da
sociedade pelas questões relacionadas com o ambiente, a saúde e o
bem-estar social, a par do reconhecimento da qualidade inerente a
este tipo de produtos, obtidos muitas vezes em modo de produção
muito semelhante ao biológico, têm levado a uma crescente procura
por parte de consumidores cada vez mais esclarecidos.
A ideia de que o futuro parece
estar na utilização dos recursos disponíveis aparece cada vez mais
generalizada entre as pessoas que começam a dar importância a
alguns valores e princípios que haviam esquecido. Do mesmo modo, o
aproveitamento dos recursos, em oposição ao desperdício,
apresenta-se como uma opção sensata e sustentável, viabilizando o
futuro dos territórios rurais e potenciando o bem-estar de gerações
atuais e vindouras.
Inês Martins
(Engenheira Agrónoma)