Crónica
Migração
Chegamos ao mês de
Agosto! Este é talvez o mês mais aguardado pela maioria da
população que anseia por uns dias de férias para aproveitar o clima
que o nosso país nos oferece…as altas temperaturas aliadas à bela
costa marítima ou às frescas sombras das ribeiras do interior são
tentadoras para fazer uma pausa no trabalho. É por esta altura que
somos visitados por familiares vindos do estrangeiro e que dão a
fama e nome ao mês de Agosto como o "Mês do Emigrante". É mais que
usual constatarmos que, a dada altura do ano, as ruas ficam mais
movimentadas, aumentam as filas de trânsito, os estabelecimentos
comerciais escoam mais rapidamente os seus produtos, as matrículas
dos carros passam do habitual "00-XY-00" para os invulgares "123
XYZ45"…e então damos por nós a comentar "já chegaram os
emigrantes!".
Mas acima de todo este
frenesim, quase nem nos apercebemos que não são só aqueles que
emigraram em busca de melhor trabalho que nos visitam repetidamente
anos após ano! Estes de que agora falo não vieram num carro de "n"
cavalos com GPS incorporado, não pararam na estação de serviço a
meio do caminho para dormir uma sesta e beber um café, não
trouxeram uma mala cheia de roupa fresca e umas havaianas para os
passeios de Verão…têm apenas um organismo espectacularmente bem
adaptado que põe a um canto a tecnologia de um qualquer airbus
A-330 ou Boeing 787! Estou a falar, obviamente, das aves
migratórias, que chegam nos inícios da Primavera, com os primeiros
dias de temperaturas amenas. Não vêem de férias, apesar de as
merecerem depois da viagem extenuante que efectuam todos os anos. O
que determina o início das migrações destes seres é a escassez de
alimento e a variação do clima…no entanto as aves não começam a sua
viagem quando começam a sentir frio ou fome…começam-na com algum
tempo de antecedência, o que se crê estar relacionado com
alterações hormonais que se processam em resposta à diminuição da
duração dos dias.
Estes pequenos seres
apresentam uma série de adaptações evolutivas que transformaram o
seu organismo num excelente meio de transporte de si mesmo. Os
membros anteriores estão transformados em asas, cobertas por penas
leves, que são estruturas impermeáveis e mortas, o que torna
desnecessária a irrigação por vasos sanguíneos e que as tornaria
mais pesadas. O seu esqueleto aerodinâmico é ultra-leve uma vez que
os maiores ossos apresentam cavidades pneumáticas ligadas ao
sistema respiratório. O esterno alarga-se e forma uma quilha que
aumenta a superfície para a fixação dos músculos necessários ao
voo. A própria digestão é rápida, evitando assim o peso dos
alimentos ingeridos. O sistema de navegação destas aves não se rege
por coordenadas…elas orientam-se pelo sol, estrelas, campo
magnético terrestre e também recorrem a referências na paisagem:
acidentes de terreno, os sistemas hidrológicos e montanhosos, as
linhas costeiras continentais, os maciços florestais, as manchas de
água, a direcção dos ventos dominantes e as massas de ar com
diferentes graus de humidade e temperatura.
Mas não se pense que estas
grandes viagens correm sempre bem…para além das más condições
climatéricas encontradas pelo trajecto, a caça, os predadores
naturais, atropelamentos, colisão com edifícios e sobretudo a
degradação e o desaparecimento das zonas transitórias de
alimentação e recuperação de energia (onde as aves param durante
alguns dias para recuperar energia e restabelecer as suas reservas
de gordura), põem em causa o sucesso destas viagens.
É por isso importante
relembrar a necessidade de preservação dos habitats e respeitar
estes seres tão frágeis e ao mesmo tempo tão resistentes que todos
os anos vêem alegrar os nossos dias solarengos.
E assim, no final do Verão,
deseja-se a todos os emigrantes…humanos e ornitológicos, uma boa
viagem de regresso em segurança, e deseja-se o seu regresso nos
primeiros dias de sol do próximo ano!