Luís Marques Mendes, ex-ministro
Portugal deve ser mais competitivo
Mesmo afastado da política activa,
Marques Mendes é uma das vozes mais respeitadas sempre que se faz
ouvir. O ex-ministro de Cavaco Silva defende uma «profundíssima
descentralização» no Ministério da Educação, delegando competências
da 5 de Outubro para as autarquias locais, bem como a reabilitação
da fragilizada autoridade da classe docente tendo em vista melhor
preparar os alunos. Sobre os que tempos que aí vêm, regulados
pela receita da «troika», Marques Mendes afirma que os portugueses
vão ter de fazer coisas muito simples de dizer, mas difíceis de
fazer: «poupar mais, trabalhar mais, produzir mais».
«O Estado em que estamos» é
o seu mais recente livro. Considera-o a contribuição cívica de um
político que neste momento se encontra retirado?
É, sem dúvida. É um contributo cívico e de cidadania. Julgo ter uma
experiência política grande, um profundo conhecimento do Estado e
da sociedade, que me permite dizer que estamos numa fase muito
difícil da vida do País. Portugal está numa encruzilhada. E
considero que todas as pessoas, nomeadamente as que têm um grande
capital de experiência adquirido, podem e devem dar o seu
contributo, não apenas para o diagnóstico da situação, mas
sobretudo, para o encontrar de soluções para o futuro. Numa
palavra, eu creio, que pese embora a encruzilhada em que estamos,
Portugal tem solução. Tenho para mim que os portugueses merecem
voltar a ter confiança e esperança. Para isso é preciso desenvolver
um debate sério e aprofundado, com conhecimento de causa. Que o meu
exemplo, através desta edição, seja seguido por outros, igualmente
com um capital de conhecimentos muito proveitoso.
No seu livro traça uma
análise transversal a toda a sociedade. Se lhe pedissem para
sintetizar numa palavra que ideia defenderia como urgente e
prioritária para Portugal e os portugueses?
Competitividade. Acho que essa é a ideia nuclear. Voltar a ser um
País competitivo é a chave do nosso sucesso. Já o fomos, no
passado. Particularmente entre 1985 e 1995. Deixámos de ser nos
últimos anos. Com isso estamos a baixar de divisão na Europa. A
perder sistematicamente poder de compra. A ver o desemprego atingir
proporções alarmantes. E até, mais recentemente, atingimos o limite
dos limites de praticamente termos chegado à bancarrota.
Quer concretizar de que
forma e que em áreas é que a dimensão competitiva nacional deve
imperar?
Para começar, é preciso ser competitivo na economia, ter empresas
competitivas, ter uma educação que favoreça a competitividade, e
uma justiça que incentive um país competitivo. E, inclusive,
precisamos de ser competitivos no plano político de forma a termos
um sistema que favoreça a estabilidade e a governabilidade. Em
suma, a ideia central deve mobilizar todos: políticos, não
políticos, Estado e cidadãos. Até podemos divergir relativamente às
políticas para atingir este objectivo, mas o que devia estar na
cabeça de todos, da direita à esquerda do espectro político, era
fazer de Portugal um país competitivo.
Quando foi presidente do
PSD tomou uma decisão que lhe causou dissabores junto dos seus
próprios colegas de partido, ao não incluir nas listas de deputados
pelos sociais-democratas candidatos com problemas com a justiça. A
vida política precisa de ser como a mulher de César, «não basta ser
é preciso parecer»?
Sem dúvida. É preciso credibilizar e moralizar a vida política. Os
políticos são muito mediáticos, logo estão muito expostos.
Tornam-se muito conhecidos e estão permanentemente nas páginas dos
jornais ou nos ecrãs de televisão. Como diz o ditado popular, «o
exemplo vem de cima», e se de cima, dos políticos, não vem um bom
exemplo, isso contamina negativamente a sociedade. Por isso, de um
político exige-se, não apenas que seja competente, dedicado,
trabalhador, mas também que seja um exemplo em termos de seriedade,
credibilidade e respeito por princípios éticos que são hoje
absolutamente incontornáveis. Ninguém é hoje obrigado a fazer
política. Mas quem a faz, terá de ter preocupações inerentes. Se
não as tiver, descredibiliza-se a si próprio e descredibiliza a
vida política em geral.
A opinião pública usa e
abusa da diabolização dos políticos. Não pensa que muitas vezes se
confunde a árvore com a floresta?
Em Portugal há uma grande tendência para a generalização, tomando a
parte pelo todo. Concretizando: aparece um político com acusações
de corrupção ou a ser investigado por qualquer crime grave, logo as
pessoas tendem de imediato a pensar que se há um que prevarica,
então são todos iguais. Por isso é que eu entendo que quando surge
um mau exemplo na vida política ele tem que ser atacado à nascença,
para evitar o vício da generalização e da contaminação. Temos de
ser exigentes na nossa vida em sociedade, mas de uma forma especial
quem tem responsabilidades políticas porque são os cargos mais
visíveis e mais expostos e que porventura mais influenciam negativa
ou positivamente. O que eu defendo é que se de cima vier um bom
exemplo, isso é bom para a sociedade…
A política é vista por
muitos como um terreno pouco recomendável. É isso que leva os mais
competentes a manterem-se à margem das tarefas
políticas?
A política é um bocadinho o reflexo de toda a sociedade. Se a
política tem qualidades e defeitos, julgo que, em grande medida, é
o espelho das qualidades e defeitos da sociedade, em todos os
sectores e segmentos de vida. O que eu creio é que tem que haver um
esforço de moralização, os maiores sacrifícios têm de vir de cima.
E hoje existe um problema adicional: há pessoas de muita qualidade
no meio empresarial, na gestão, etc, mas que de um modo geral
recusam fazer política. O caso mais paradigmático e preocupante é o
dos jovens. Convivo muito com eles, e devo dizer que temos jovens
de grande competência, mérito e talento. Comparado com os jovens do
meu tempo, arrisco dizer que os desta geração são melhores.
Que causas estão na base do
afastamento dos jovens da política?
Criou-se a ideia negativa que a política é a arte do vale tudo, que
não tem regras, que se norteia apenas pelo interesse individual e
de grupo, que não cumpre requisitos éticos, etc.
Perante este cenário, formatado à partida, os jovens apesar do
talento profissional mostram-se indisponíveis, de uma forma geral,
para enveredar por uma carreira política. Isso é mau e considero
esta atitude um erro. Um país, seja ele qual for, tem que ser
governado por políticos. Se não forem estes, são outros. Agora se
os melhores se afastam, ficam os piores. A tendência será ainda
mais negativa.
Hoje em dia os políticos de
topo são preparados e treinados até à exaustão para o desempenho da
sua actividade. A margem de erro é mínima. Muitos deles são
autênticos actores que se limitam a debitar o que está no teleponto
e só dizem aquilo que querem. É este conceito de político
profissional que está muito negativamente enraizado aos olhos da
sociedade?
Neste momento sim. A sociedade portuguesa olha o político
profissional de modo pejorativo. O que é errado, porque se o
político for um bom profissional, isso é positivo. Ou seja, nesse
plano a política não é diferente da advocacia, da medicina, do
ensino universitário ou do meio empresarial. Em todas as
actividades temos de ter bons profissionais. Com qualidade, mérito,
capacidade gestão e resultados. Infelizmente na política,
perspectiva-se demasiadas vezes um profissional desta área como um
vigarista, um corrupto ou uma pessoa menos séria. Acho uma
perversidade.
É o lado menos avisado dos
portugueses de meter tudo no mesmo saco?
As pessoas deviam ser cáusticas com os políticos que dessem provas
de irresponsabilidade e menos seriedade, mas ao mesmo tempo deviam
saber o que fazem políticos com competência e honestidade. Eu tenho
para mim que uma parte significativa dos nossos políticos é gente
boa de carácter, competente. O importante seria que a opinião
pública fizesse um esforço para separar o trigo do joio. Estou
certo que ninguém do meio da advocacia gostaria de ouvir que os
advogados são todos corruptos, o mesmo se aplicando aos médicos,
aos professores universitários, etc. Não! Há de tudo. Só na vida
política é que se insiste em generalizar.
No seu livro tem um
capítulo intitulado «Uma Educação virada do avesso», em que aponta
o dedo ao centralismo do Ministério. Porquê?
O Ministério é uma das raízes do mal do sistema. De há uns anos a
esta parte o ministério é uma estrutura pesadíssima, aquilo que se
pode chamar um «monstro». Isso é um erro. Têm passado pela 5 de
Outubro vários governos, de todas as cores políticas, sem excepção,
e não tem havido coragem política para alterar esta situação. Não
compreendo que um ministro da educação em Lisboa, dotado de uma
estrutura gigantesca, tenha de decidir coisas em Freixo de Espada à
Cinta ou em Vila do Bispo.
Defende uma
descentralização de competências para a administração
local?
Na minha opinião acabar com esta situação implica levar a cabo uma
profundíssima descentralização. Sublinho, profundíssima
descentralização. Em matéria de educação a maior parte das
competências devia passar para as autarquias locais. Com a
redução/ampliação/apetrechamento de escolas, colocação de pessoal,
etc. Só deviam ficar no Ministério em Lisboa as competências
eminentemente nacionais. Há muitos burocratas que estão instalados
no ministério que são contra esta mudança. Como também, valha a
verdade que se diga, que há muitos sindicatos que também não estão
pelos ajustes. Eu creio mesmo que os sindicatos são outra força de
bloqueio na Educação. Em tese tenho um grande apreço pelos
sindicatos e por uma vida sindical saudável, mas depois em concreto
acho que muitas das nossas forças sindicais pararam no tempo e são
pré-históricas. Vivem em circuito fechado e pensam apenas nos
interesses corporativos. Acontece esta coisa extraordinária que é a
seguinte: com a taxa de desemprego que acumulamos, os nossos
sindicatos preocupam-se mais com os direitos de quem está
empregado, do que com os que estão à procura de emprego.
Por aquilo que descreve, na
sua opinião o Ministério obeso e o anacronismo dos sindicatos
impedem que o sistema de educação evolua?
Há uma coligação profundamente negativa entre sindicatos e a
estrutura macrocéfala do Ministério da Educação. Enquanto não
houver um governo capaz de cortar a direito, temo que a situação
não possa melhorar substancialmente.
Professores e alunos têm
sido os grandes prejudicados por anos de inércia?
São dois dos principais protagonistas do sistema, mas eu creio que
a escola deve ser virada para o aluno. A razão de ser da escola é o
aluno, dando-lhe uma boa formação e preparação. No fundo, ter uma
ferramenta que o habilite ao exercício cabal de uma profissão. Isto
tem de ser o objectivo central da escola. Infelizmente nos últimos
anos, vi eu e viram os outros portugueses, andou-se a discutir com
mais afinco o estatuto da carreira docente ou a avaliação dos
professores do que os problemas centrais que afectam o aluno. Neste
aspecto creio que as prioridades têm estado, muitas vezes,
invertidas. Com isto não quero significar, bem pelo contrário, que
não deve haver uma grande atenção pelos professores É que a seguir
aos alunos a grande prioridade são os docentes.
Concorda que esta classe
perdeu prestígio e autoridade perante os alunos e a
sociedade?
A ideia de maltratar, desprestigiar ou desvalorizar os professores
é um crime. Um país no domínio da educação só tem sucesso se tiver
bons professores, motivados, prestigiados e com um grande estatuto.
Dou-lhe este exemplo: Antes do 25 de Abril, e nem tudo era mau
antes desta data, o professor era uma autoridade, não apenas dentro
da escola, mas no seio de toda a localidade onde leccionava. Era
visto com respeito, com prestígio, era um "opinion maker" muito
importante. Hoje o professor, de um modo geral, está desvalorizado.
Dentro da escola não tem autoridade e então fora da escola está
desvalorizadíssimo. Isto é terrivelmente perverso e negativo. Para
que os alunos sejam centro das atenções é condição prioritária ter
professores prestigiados e motivados.
É esta estratégia desfocada
da realidade que tem sido seguida que tem alimentando os
casos de laxismo e indisciplina dentro das salas de
aula?
Se o professor não tem prestigio, não pode ter autoridade. Se não
tem autoridade, a tendência é o facilitismo, a indisciplina, a
violência até. Ou seja, tudo factores que devem ser urgentemente
erradicados do meio escolar. Chamo a atenção que ainda hoje os
países mais desenvolvidos do mundo não são aqueles que têm mais
reservas de petróleo, porque se assim fosse os países árabes eram
os mais desenvolvidos do mundo e não são. Os países mais
desenvolvidos do mundo são aqueles que apostam muito forte na
educação, no conhecimento e na inovação. Ou seja, na economia do
conhecimento. Neste campo a ferramenta das qualificações e da
educação é absolutamente essencial.
Como é que caracterizaria a
aposta que temos feito neste campo. Insuficiente ou
esforçada?
Nós em Portugal temos insistido em apostar noutras coisas, que não
nos nossos recursos humanos. Penso que tem que existir uma inversão
de prioridades.
Nuno Dias da Silva
MF Menezes/Expresso