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Jornal do Concelho de Oleiros | Francisco Carrega | Periodicidade: Trimestral | Novembro 2024 nº92 Ano XXIII
Luís Marques Mendes, ex-ministro
Portugal deve ser mais competitivo

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Mesmo afastado da política activa, Marques Mendes é uma das vozes mais respeitadas sempre que se faz ouvir. O ex-ministro de Cavaco Silva defende uma «profundíssima descentralização» no Ministério da Educação, delegando competências da 5 de Outubro para as autarquias locais, bem como a reabilitação da fragilizada autoridade da classe docente tendo em vista melhor preparar os alunos.  Sobre os que tempos que aí vêm, regulados pela receita da «troika», Marques Mendes afirma que os portugueses vão ter de fazer coisas muito simples de dizer, mas difíceis de fazer: «poupar mais, trabalhar mais, produzir  mais».

«O Estado em que estamos» é o seu mais recente livro. Considera-o a contribuição cívica de um político que neste momento se encontra retirado?
É, sem dúvida. É um contributo cívico e de cidadania. Julgo ter uma experiência política grande, um profundo conhecimento do Estado e da sociedade, que me permite dizer que estamos numa fase muito difícil da vida do País. Portugal está numa encruzilhada. E considero que todas as pessoas, nomeadamente as que têm um grande capital de experiência adquirido, podem e devem dar o seu contributo, não apenas para o diagnóstico da situação, mas sobretudo, para o encontrar de soluções para o futuro. Numa palavra, eu creio, que pese embora a encruzilhada em que estamos, Portugal tem solução. Tenho para mim que os portugueses merecem voltar a ter confiança e esperança. Para isso é preciso desenvolver um debate sério e aprofundado, com conhecimento de causa. Que o meu exemplo, através desta edição, seja seguido por outros, igualmente com um capital de conhecimentos muito proveitoso.

No seu livro traça uma análise transversal a toda a sociedade. Se lhe pedissem para sintetizar numa palavra que ideia defenderia como urgente e prioritária para Portugal e os portugueses?
Competitividade. Acho que essa é a ideia nuclear. Voltar a ser um País competitivo  é a chave do nosso sucesso. Já o fomos, no passado. Particularmente entre 1985 e 1995. Deixámos de ser nos últimos anos. Com isso estamos a baixar de divisão na Europa. A perder sistematicamente poder de compra. A ver o desemprego atingir proporções alarmantes. E até, mais recentemente, atingimos o limite dos limites de praticamente termos chegado à bancarrota.

Quer concretizar de que forma e que em áreas é que a dimensão competitiva nacional deve imperar?
Para começar, é preciso ser competitivo na economia, ter empresas competitivas, ter uma educação que favoreça a competitividade, e uma justiça que incentive um país competitivo. E, inclusive, precisamos de ser competitivos no plano político de forma a termos um sistema que favoreça a estabilidade e a governabilidade. Em suma, a ideia central deve mobilizar todos: políticos, não políticos, Estado e cidadãos. Até podemos divergir relativamente às políticas para atingir este objectivo, mas o que devia estar na cabeça de todos, da direita à esquerda do espectro político, era fazer de Portugal um país competitivo.

Quando foi presidente do PSD tomou uma decisão que lhe causou dissabores junto dos seus próprios colegas de partido, ao não incluir nas listas de deputados pelos sociais-democratas candidatos com problemas com a justiça. A vida política precisa de ser como a mulher de César, «não basta ser é preciso parecer»?
Sem dúvida. É preciso credibilizar e moralizar a vida política. Os políticos são muito mediáticos, logo estão muito expostos. Tornam-se muito conhecidos e estão permanentemente nas páginas dos jornais ou nos ecrãs de televisão. Como diz o ditado popular, «o exemplo vem de cima», e se de cima, dos políticos, não vem um bom exemplo, isso contamina negativamente a sociedade. Por isso, de um político exige-se, não apenas que seja competente, dedicado, trabalhador, mas também que seja um exemplo em termos de seriedade, credibilidade e respeito por princípios éticos que são hoje absolutamente incontornáveis. Ninguém é hoje obrigado a fazer política. Mas quem a faz, terá de ter preocupações inerentes. Se não as tiver, descredibiliza-se a si próprio e descredibiliza a vida política em geral.

A opinião pública usa e abusa da diabolização dos políticos. Não pensa que muitas vezes se confunde a árvore com a floresta?
Em Portugal há uma grande tendência para a generalização, tomando a parte pelo todo. Concretizando: aparece um político com acusações de corrupção ou a ser investigado por qualquer crime grave, logo as pessoas tendem de imediato a pensar que se há um que prevarica, então são todos iguais. Por isso é que eu entendo que quando surge um mau exemplo na vida política ele tem que ser atacado à nascença, para evitar o vício da generalização e da contaminação. Temos de ser exigentes na nossa vida em sociedade, mas de uma forma especial quem tem responsabilidades políticas porque são os cargos mais visíveis e mais expostos e que porventura mais influenciam negativa ou positivamente. O que eu defendo é que se de cima vier um bom exemplo, isso é bom para a sociedade…

A política é vista por muitos como um terreno pouco recomendável. É isso que leva os mais competentes a manterem-se à margem das tarefas políticas?
A política é um bocadinho o reflexo de toda a sociedade. Se a política tem qualidades e defeitos, julgo que, em grande medida, é o espelho das qualidades e defeitos da sociedade, em todos os sectores e segmentos de vida. O que eu creio é que tem que haver um esforço de moralização, os maiores sacrifícios têm de vir de cima. E hoje existe um problema adicional: há pessoas de muita qualidade no meio empresarial, na gestão, etc, mas que de um modo geral recusam fazer política. O caso mais paradigmático e preocupante é o dos jovens. Convivo muito com eles, e devo dizer que temos jovens de grande competência, mérito e talento. Comparado com os jovens do meu tempo, arrisco dizer que os desta geração são melhores.

Que causas estão na base do afastamento dos jovens da política?
Criou-se a ideia negativa que a política é a arte do vale tudo, que não tem regras, que se norteia apenas pelo interesse individual e de grupo, que não cumpre requisitos éticos, etc.
Perante este cenário, formatado à partida, os jovens apesar do talento profissional mostram-se indisponíveis, de uma forma geral, para enveredar por uma carreira política. Isso é mau e considero esta atitude um erro. Um país, seja ele qual for, tem que ser governado por políticos. Se não forem estes, são outros. Agora se os melhores se afastam, ficam os piores. A tendência será ainda mais negativa.

Hoje em dia os políticos de topo são preparados e treinados até à exaustão para o desempenho da sua actividade. A margem de erro é mínima. Muitos deles são autênticos actores que se limitam a debitar o que está no teleponto e só dizem aquilo que querem. É este conceito de político profissional que está muito negativamente enraizado aos olhos da sociedade?
Neste momento sim. A sociedade portuguesa olha o político profissional de modo pejorativo. O que é errado, porque se o político for um bom profissional, isso é positivo. Ou seja, nesse plano a política não é diferente da advocacia, da medicina, do ensino universitário ou do meio empresarial. Em todas as actividades temos de ter bons profissionais. Com qualidade, mérito, capacidade gestão e resultados. Infelizmente na política, perspectiva-se demasiadas vezes um profissional desta área como um vigarista, um corrupto ou uma pessoa menos séria. Acho uma perversidade.

É o lado menos avisado dos portugueses de meter tudo no mesmo saco?
As pessoas deviam ser cáusticas com os políticos que dessem provas de irresponsabilidade e menos seriedade, mas ao mesmo tempo deviam saber o que fazem políticos com competência e honestidade. Eu tenho para mim que uma parte significativa dos nossos políticos é gente boa de carácter, competente. O importante seria que a opinião pública fizesse um esforço para separar o trigo do joio. Estou certo que ninguém do meio da advocacia gostaria de ouvir que os advogados são todos corruptos, o mesmo se aplicando aos médicos, aos professores universitários, etc. Não! Há de tudo. Só na vida política é que se insiste em generalizar.

No seu livro tem um capítulo intitulado «Uma Educação virada do avesso», em que aponta o dedo ao centralismo do Ministério. Porquê?
O Ministério é uma das raízes do mal do sistema. De há uns anos a esta parte o ministério é uma estrutura pesadíssima, aquilo que se pode chamar um «monstro». Isso é um erro. Têm passado pela 5 de Outubro vários governos, de todas as cores políticas, sem excepção, e não tem havido coragem política para alterar esta situação. Não compreendo que um ministro da educação em Lisboa, dotado de uma estrutura gigantesca, tenha de decidir coisas em Freixo de Espada à Cinta ou em Vila do Bispo.

Defende uma descentralização de competências para a administração local?
Na minha opinião acabar com esta situação implica levar a cabo uma profundíssima descentralização. Sublinho, profundíssima descentralização. Em matéria de educação a maior parte das competências devia passar para as autarquias locais. Com a redução/ampliação/apetrechamento de escolas, colocação de pessoal, etc. Só deviam ficar no Ministério em Lisboa as competências eminentemente nacionais. Há muitos burocratas que estão instalados no ministério que são contra esta mudança. Como também, valha a verdade que se diga, que há muitos sindicatos que também não estão pelos ajustes. Eu creio mesmo que os sindicatos são outra força de bloqueio na Educação. Em tese tenho um grande apreço pelos sindicatos e por uma vida sindical saudável, mas depois em concreto acho que muitas das nossas forças sindicais pararam no tempo e são pré-históricas. Vivem em circuito fechado e pensam apenas nos interesses corporativos. Acontece esta coisa extraordinária que é a seguinte: com a taxa de desemprego que acumulamos, os nossos sindicatos preocupam-se mais com os direitos de quem está empregado, do que com os que estão à procura de emprego.

Por aquilo que descreve, na sua opinião o Ministério obeso e o anacronismo dos sindicatos impedem que o sistema de educação evolua?
Há uma coligação profundamente negativa entre sindicatos e a estrutura macrocéfala do Ministério da Educação. Enquanto não houver um governo capaz de cortar a direito, temo que a situação não possa melhorar substancialmente.

Professores e alunos têm sido os grandes prejudicados por anos de inércia?
São dois dos principais protagonistas do sistema, mas eu creio que a escola deve ser virada para o aluno. A razão de ser da escola é o aluno, dando-lhe uma boa formação e preparação. No fundo, ter uma ferramenta que o habilite ao exercício cabal de uma profissão. Isto tem de ser o objectivo central da escola. Infelizmente nos últimos anos, vi eu e viram os outros portugueses, andou-se a discutir com mais afinco o estatuto da carreira docente ou a avaliação dos professores do que os problemas centrais que afectam o aluno. Neste aspecto creio que as prioridades têm estado, muitas vezes, invertidas. Com isto não quero significar, bem pelo contrário, que não deve haver uma grande atenção pelos professores É que a seguir aos alunos a grande prioridade  são os docentes.

Concorda que esta classe perdeu prestígio e autoridade perante os alunos e a sociedade?
A ideia de maltratar, desprestigiar ou desvalorizar os professores é um crime. Um país no domínio da educação só tem sucesso se tiver bons professores, motivados, prestigiados e com um grande estatuto. Dou-lhe este exemplo: Antes do 25 de Abril, e nem tudo era mau antes desta data, o professor era uma autoridade, não apenas dentro da escola, mas no seio de toda a localidade onde leccionava. Era visto com respeito, com prestígio, era um "opinion maker" muito importante. Hoje o professor, de um modo geral, está desvalorizado. Dentro da escola não tem autoridade e então fora da escola está desvalorizadíssimo. Isto é terrivelmente perverso e negativo. Para que os alunos sejam centro das atenções é condição prioritária ter professores prestigiados e motivados.

É esta estratégia desfocada da realidade que tem sido seguida que tem alimentando  os casos de laxismo e indisciplina dentro das salas de aula?
Se o professor não tem prestigio, não pode ter autoridade. Se não tem autoridade, a tendência é o facilitismo, a indisciplina, a violência até. Ou seja, tudo factores que devem ser urgentemente erradicados do meio escolar. Chamo a atenção que ainda hoje os países mais desenvolvidos do mundo não são aqueles que têm mais reservas de petróleo, porque se assim fosse os países árabes eram os mais desenvolvidos do mundo e não são. Os países mais desenvolvidos do mundo são aqueles que apostam muito forte na educação, no conhecimento e na inovação. Ou seja, na economia do conhecimento. Neste campo a ferramenta das qualificações e da educação é absolutamente essencial.

Como é que caracterizaria a aposta que temos feito neste campo. Insuficiente ou esforçada?
Nós em Portugal temos insistido em apostar noutras coisas, que não nos nossos recursos humanos. Penso que tem que existir uma inversão de prioridades.

Nuno Dias da Silva
MF Menezes/Expresso