José Cid, em entrevista
A televisão não mostra a verdadeira música portuguesa
Aos 73 anos, José Cid regressa aos
tempos de «menino prodígio» com um álbum onde recupera uma faceta
mais rock. O músico português descreve o novo disco como um
trabalho "rebelde e politicamente incorrecto". José Cid vai estar
em Oleiros dia 5 de agosto, no primeiro dia da Feira do Pinhal. O
espetáculo começa às 23H30.
«Menino Prodígio» é o
cartão de visita do trabalho discográfico com o mesmo título. Como
tem sido recebido?
Acho que da melhor maneira. O
videoclip do «Menino Prodígio» está com cerca de 50 mil
visualizações no YouTube. O disco em si tem sido igualmente bem
recebido. É muito bom ver a resposta do público nos concertos. Ao
vivo, as pessoas cantam comigo em coro.
A canção «Menino Prodígio»
é um trabalho autobiográfico. Como é regressar à
infância?
Vivia na Chamusca, no Ribatejo, e
os amigos do meu pai ficavam muito admirados por eu, com quatro ou
cinco aninhos, cantar e tocar piano. Ninguém estava à espera, uma
vez que ninguém me ensinara. Então chamavam-me menino prodígio.
Entretanto, como diz a letra da canção: o "menino prodígio morreu,
mas o seu epitáfio sou eu".
Este álbum reúne vários
temas censurados, na altura em que fazia parte do Quarteto 1111.
Qual é a sensação de compor uma música e ela ser
censurada?
Nós, e um grupo restrito de
cantores da altura, tínhamos grandes dificuldades com a censura.
Tínhamos a censura em cima de nós, feroz, muitas vezes injusta,
outras vezes agressiva. E nós enfrentámos a censura. Eu tenho 28
canções proibidas no antigo regime, dava para preencher um álbum
duplo. As canções continuam atuais. Para este novo álbum fui buscar
três canções ao meu passado e dei-lhes uma roupagem atual: «Blá!
Blá! Blá!», «Monstros sagrados» e «Rock Rural».
Acredito que seja agradável
recuperar esses temas.
Sim, e são completamente actuais. O
meu álbum é autobiográfico em dois temas só: «Menino Prodígio» e «O
andar de Marylin», que foi a minha primeira grande paixão, com 12
ou 13 anitos. Quando morreu estava já apaixonado por aquela que foi
talvez a mais bonita mulher do cinema. É, de resto, um álbum de
consciência e politicamente incorrecto, daí a sua rebeldia e o seu
interesse.
No alinhamento do disco há
um tema de Aerosmith. Porquê uma cover da banda de Steven
Tyler?
A história começa para aí há 15
anos atrás, quando o tema saiu. Fui cantar ao Casino Estoril e,
nessa ocasião, cantei também alguns temas que não era meus. «I
Don't Want to Miss a Thing» foi um deles. Depois, já em 2005, fui
escrever o meu livro de poesia a uma ilha das Caraíbas onde à noite
fazia karaoke num hotel em que ninguém me conhecia. Cantei a canção
dos Aerosmith e fiz muito sucesso (risos). Comecei a ir todas as
noites cantar este tema no karaoke. O ano passado a RFM convidou-me
para um programa ao vivo e cantei «I Don't Want to Miss a Thing». A
reação do público foi extraordinária e eu resolvi incluir o tema no
meu álbum. É quase uma provocação, para se perceber que eu consigo
cantar outras coisas.
Tem muitos cuidados com a
voz?
Tenho. Não bebo álcool, não fumo
nem bebo coisas geladas. Tenho também cuidado com as alergias.
Tem de estar em forma para
os concertos deste verão...
Até setembro vou ter 40 concertos
em Portugal. O público quer ouvir-me. O meu concerto é
extraordinariamente procurado no país inteiro, porque atravessa
várias gerações. É um concerto com muita música e pouca conversa.
Toco as canções que toda a gente conhece e algumas novas,
acompanhado por músicos muito bons.
Com a edição deste disco
promete conquistar mais público, sobretudo nas camadas etárias mais
jovens.
Já tinha esse público. Mas este ano
toquei em quatro queimas universitárias. É muito bom ver os jovens
cantar todas as minhas canções.
José Cid é uma grande
referência da música portuguesa. Qual é a leitura que faz do
panorama atual?
Vejo muitos projetos jovens que têm
imensa dificuldade em se impor, particularmente os que cantam em
português. E, depois, vejo com muito desagrado programas de
televisão, aos sábados e domingos à tarde, que nivelam a música
pelo nível mais baixo. A televisão não mostra a verdadeira música
portuguesa. Há muitos jovens com qualidade que não aparecem ali,
porque esteticamente não são o que os programas procuram.
Hugo Rafael
Texto: Tiago Carvalho
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