Editorial
No términus de mais um período letivo, tempo agora
para olhar para o caminho percorrido, para projetar o percurso que
ainda falta calcorrear e até para refletir sobre a própria essência
do(s) Tempo(s). Esta é, de facto, uma das épocas que, para os
católicos, mais simbolismo e exigência pessoal encerra. É o chamado
tempo da Quaresma. É o tempo da expectativa, da purificação, do
regresso e da consciência da fidelidade às promessas. E esta
consciência também nos mostra o quão difíceis são os tempos que
atravessamos… São "tempos de pedra", feitos de obstáculos
inusitados, urdidos com curvas e contracurvas, mas também, e
felizmente, aquecidos com alguns raios de sol, que teimam em
brilhar por entre os pingos carregados da chuva fria e que acabam
por aquecer a nossa sensível e efémera existência humana. Pedras?
Sempre as houve nos caminhos… Sempre as haverá… Fernando Pessoa
dizia, num dos seus múltiplos e emblemáticos poemas, "Pedras no
caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo…". O
segredo, e reiterando uma vez mais o lema do Agrupamento de Escolas
Padre António de Andrade, está em não desistir! Está em persistir
na demanda da nossa vida, em sermos homens e mulheres melhores, em
préstimo ao Outro. E o Outro não tem que ter necessariamente as
mesmas crenças, cor, ideologias, vontades e expectativas que
nós.
O poeta António Ramos Rosa, um dos
parcos portugueses agraciados com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D.
Henrique, escreveu na sua sábia forma de expressar os pensamentos e
os sentimentos, "…caminho, caminho, porque há um intervalo entre
tudo e eu, e nesse intervalo caminho e descubro o meu caminho".
Aliás, este é um excerto do mote que deu ânimo à Reflexão Quaresmal
da Comissão Nacional Justiça e Paz 2018 que, em íntima harmonia com
as palavras do Papa Francisco, nos deixa alertas de vivências
essenciais. Simples questões, aparentemente apenas retóricas, mas,
no âmago, interpelativas com vista à mudança, que agora partilho:
Como deixarmos de ser "pedras" e de estarmos sentados num "bloco de
gelo", tantas vezes ainda mais gélido do que o pensado possível?
Acreditamos piamente no poder de nos servirmos a nós mesmos,
esquecendo o Outro? Acalentamos conscientemente um mundo do "faz de
conta" ou "do que parece bem"? Vivemos apenas para nós e para os
nossos ou vivemos também e essencialmente para o nosso Próximo, que
tantas vezes é aquele que até menos apreciamos? Estaremos a
esquecer-nos de que a iniquidade, ao resfriar o Bem, traz
consequências nefastas abismais? Será que, e parafraseando as
palavras do Sumo Pontífice, "Perdemos a capacidade de nos
indignar?".
E porque efetivamente o Tempo é o
que dele fizermos, reflitamos sobre o caminho, mas, sobretudo,
continuemos a caminhar, ajamos, metamorfoseemo-nos, para que o
nosso interior seja, como dizia Sophia de Mello Breyner, "uma
atenção virada para fora", para que "tudo quanto vejo" me
acrescente…
Votos de boa Páscoa,