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Jornal do Concelho de Oleiros | Francisco Carrega | Periodicidade: Trimestral | Novembro 2024 nº92 Ano XXIII
Crónica
Migração

claudia.JPGChegamos ao mês de Agosto! Este é talvez o mês mais aguardado pela maioria da população que anseia por uns dias de férias para aproveitar o clima que o nosso país nos oferece…as altas temperaturas aliadas à bela costa marítima ou às frescas sombras das ribeiras do interior são tentadoras para fazer uma pausa no trabalho. É por esta altura que somos visitados por familiares vindos do estrangeiro e que dão a fama e nome ao mês de Agosto como o "Mês do Emigrante". É mais que usual constatarmos que, a dada altura do ano, as ruas ficam mais movimentadas, aumentam as filas de trânsito, os estabelecimentos comerciais escoam mais rapidamente os seus produtos, as matrículas dos carros passam do habitual "00-XY-00" para os invulgares "123 XYZ45"…e então damos por nós a comentar "já chegaram os emigrantes!".

Mas acima de todo este frenesim, quase nem nos apercebemos que não são só aqueles que emigraram em busca de melhor trabalho que nos visitam repetidamente anos após ano! Estes de que agora falo não vieram num carro de "n" cavalos com GPS incorporado, não pararam na estação de serviço a meio do caminho para dormir uma sesta e beber um café, não trouxeram uma mala cheia de roupa fresca e umas havaianas para os passeios de Verão…têm apenas um organismo espectacularmente bem adaptado que põe a um canto a tecnologia de um qualquer airbus A-330 ou Boeing 787! Estou a falar, obviamente, das aves migratórias, que chegam nos inícios da Primavera, com os primeiros dias de temperaturas amenas. Não vêem de férias, apesar de as merecerem depois da viagem extenuante que efectuam todos os anos. O que determina o início das migrações destes seres é a escassez de alimento e a variação do clima…no entanto as aves não começam a sua viagem quando começam a sentir frio ou fome…começam-na com algum tempo de antecedência, o que se crê estar relacionado com alterações hormonais que se processam em resposta à diminuição da duração dos dias.

Estes pequenos seres apresentam uma série de adaptações evolutivas que transformaram o seu organismo num excelente meio de transporte de si mesmo. Os membros anteriores estão transformados em asas, cobertas por penas leves, que são estruturas impermeáveis e mortas, o que torna desnecessária a irrigação por vasos sanguíneos e que as tornaria mais pesadas. O seu esqueleto aerodinâmico é ultra-leve uma vez que os maiores ossos apresentam cavidades pneumáticas ligadas ao sistema respiratório. O esterno alarga-se e forma uma quilha que aumenta a superfície para a fixação dos músculos necessários ao voo. A própria digestão é rápida, evitando assim o peso dos alimentos ingeridos. O sistema de navegação destas aves não se rege por coordenadas…elas orientam-se pelo sol, estrelas, campo magnético terrestre e também recorrem a referências na paisagem: acidentes de terreno, os sistemas hidrológicos e montanhosos, as linhas costeiras continentais, os maciços florestais, as manchas de água, a direcção dos ventos dominantes e as massas de ar com diferentes graus de humidade e temperatura.

Mas não se pense que estas grandes viagens correm sempre bem…para além das más condições climatéricas encontradas pelo trajecto, a caça, os predadores naturais, atropelamentos, colisão com edifícios e sobretudo a degradação e o desaparecimento das zonas transitórias de alimentação e recuperação de energia (onde as aves param durante alguns dias para recuperar energia e restabelecer as suas reservas de gordura), põem em causa o sucesso destas viagens.

É por isso importante relembrar a necessidade de preservação dos habitats e respeitar estes seres tão frágeis e ao mesmo tempo tão resistentes que todos os anos vêem alegrar os nossos dias solarengos.

E assim, no final do Verão, deseja-se a todos os emigrantes…humanos e ornitológicos, uma boa viagem de regresso em segurança, e deseja-se o seu regresso nos primeiros dias de sol do próximo ano!

Cláudia Mendes