opinião
A definição do Vinho Callum
Genuíno de Oleiros, Callum é um vinho
branco proveniente de uma casta com o mesmo nome, o qual deriva
provavelmente de "pele dura, crosta" em latim e que devido à sua
elevada tolerância à humidade, habita junto das linhas de água,
facto pelo qual resistiu a pragas e doenças.
Em documentos da Ordem de Malta de
finais do séc. XVI, aparecem referências a "altas videiras em
salgueiros e amieiros",
o que indicia a presença de
"caluas" em Oleiros, numa altura muito anterior ao ataque de
filoxera no nosso país. Já no séc. XIX, a Lista de Castas de
Videiras Portuguesas identificadas pelos serviços ampelográficos e
enológicos governamentais identifica esta casta e atribui-a a este
concelho.
O vinho foi perdurando no tempo e
atualmente a sua produção está confinada a alguns (poucos)
produtores tradicionais, a maioria com uma certa idade e que
utilizam técnicas de vinificação muito variadas. Hoje não podemos
falar de Callum mas sim de vários Calluns.
Este secular hábito de consumo
entre as gentes de Oleiros foi resistindo e segundo os
especialistas, a degustação do vinho "é uma emoção" que nos remete
para uma viagem no tempo, até à época medieval, numa altura em que
os vinhos, ao contrário de hoje, não levavam qualquer tipo de
tratamento, pelo que na sua versão original se pode considerar um
vinho biológico.
Face à diversidade de vinhos Callum
existentes no território, urge pensar na definição deste
"emocionante vinho histórico". Há que entendê-lo antes de o
degustar e acima de tudo, defini-lo, para podermos apresentar e
oferecer um produto genuíno, de qualidade uniforme e detentor de
valor acrescentado, uma vez que nos transmite um manancial de
experiências numa só.
Se nos reportarmos às técnicas de
viticultura utilizadas, estas evidenciam marcas de medievalidade,
nomeadamente na forma de condução das "caluas". Pelo território são
frequentes os espaldares de madeira a sustentar as videiras nas
bordaduras das propriedades e já em 1881 o Bispo de Angra referia
que "grande abundância de mosto provinha antigamente das videiras
que circundavam as propriedades em terra baixa e forte, as quais
eram elevadas em toscas grades de paus de castanheiro e varas de
pinheiro, que chamavam "jangadas", produzindo assim muitas uvas,
mas nunca amadureciam perfeitamente". Conclui-se que este é também
considerado um "arcaísmo vitivinícola".
Esta experiência enológica medieval
é ainda atestada pela existência de outros arcaísmos no território,
para além dos já referidos espaldares de madeira ou do sistema de
condução "em enforcado", em que as videiras trepam sobre tutores
vivos junto às linhas de água, nas galerias ripícolas. A presença
de barris de madeira, dos lagares em pedra (xisto) ou da famosa
prensa de Catão (vara e fuso) que ainda hoje persistem em algumas
adegas ancestrais, são considerados vestígios dessa época. Também à
boa maneira medieval, o vinho vermelho ("clarete" ou "palhete")
seria o de todos os dias e o branco ("Callum") era bebido em dias
de festa.
Considerado um "tesouro
antropológico", este é um vinho diferente, de elevada
originalidade, que deve ser percebido por quem o prova. Importa
agora, enquanto decorre o processo que levará à sua definição e
afinação como produto único, que as pessoas que o dão a provar o
entendam e consigam explicar a quem o degusta.
Só desta forma se consegue
transmitir aos seus provadores toda a emoção e originalidade que
uma viagem no tempo pode proporcionar, ao serem transportados até à
Idade Média, numa altura em que os vinhos mais valorizados eram os
brancos, possuíam características organoléticas distintas daquelas
a que estamos habituados atualmente (apresentavam um ligeiro e
sugestivo acre mais acético) e ao contrário de hoje, não levavam
qualquer tipo de tratamento.
Este emocionante vinho histórico,
nalguns casos muito próximo do biológico, deve ser apreciado in
loco, em ambiente rural e preferencialmente, nas típicas adegas em
xisto que existem dispersas pelo território e que exibem tão
valiosos arcaísmos antropológicos que importa desvendar.
Inês Martins
Engenheira Agrónoma