Tarantini, Futebolista
«A formação e a educação potenciam o desempenho desportivo»
Tarantini é um exemplo, dentro e fora
do campo. Duas licenciaturas e um mestrado fazem dele o futebolista
português no ativo com maior currículo académico. O capitão do Rio
Ave abraçou como sua causa o alerta para as dificuldades que os
desportistas enfrentam após terminarem as suas carreiras.
Ricardo José Vaz Alves Monteiro é o
seu nome de batismo, mas todo o mundo do futebol, e não só, o
conhece por Tarantini. Quer explicar como surgiu esta alcunha?
É uma alcunha do tempo em que
jogava no Sporting da Covilhã, dada por Virgílio Martins (adjunto
de João Cavaleiro). Hoje com a exceção dos meus pais e irmãs toda a
gente me chama e conhece-me por Tarantini.
É capitão do Rio Ave, onde se
encontra desde 2008/2009. Sendo um clube de média dimensão, é tido
como um dos mais organizados do país, sempre com performances
desportivas muito relevantes, no campeonato e nas taças, tendo
despedido apenas um treinador em nove anos. Qual é o segredo?
O segredo são as pessoas. Com o
tempo o Rio Ave cria equipas com base no seu potencial
futebolístico, mas sempre muito atento ao Homem em cada jogador. O
trabalho começa sempre em perceber qual a melhor opção para o Rio
Ave, a partir daí cada treinador que cá chega sabe que vai
encontrar um conjunto de jogadores, que compreendendo a ideia de
jogo, vai dar tudo por ela. Os treinadores encontram no Rio Ave o
local perfeito para crescer.
Abraçou um projeto de defesa dos
jovens futebolistas que enfrentam dificuldades após se retirarem
dos relvados, que ficaria plasmado no livro «A Minha Causa».
Investigou exemplos de atletas em várias modalidades e em diversos
países, onde constatou que o período pós-alta competição pode ser
um pesadelo. Que fatores contribuem para isso?
A minha intenção não é ajudar
ninguém que se encontra em dificuldades, mas sim pegar nesses
exemplos e promover um despertar de consciências para uma realidade
que muitas pessoas não querem saber que existe. No meu site,
www.tarantini.pt, podem ver algumas das razões que levam à
bancarrota de inúmeros desportistas de elite, como por exemplo
divórcio, falta de preparação para uma segunda carreira, entre
outros. Contudo, a literatura indica que existem muitos fatores
associados a uma transição com qualidade e que podem diferir de
acordo com o contexto social. Entre muitos fatores saliento a
voluntariedade na decisão de terminar a carreira.
Procurou com este seu projeto de
responsabilidade social desportiva transmitir a mensagem que há
vida para além do futebol?
Eu acredito que o futebol pertence
à vida. Quando pensei numa frase que resumisse os propósitos do
projeto, pensei: "Construir uma vida faz parte do sonho". No fundo,
o que mais interessa é a nossa vida, depois vamos adicionando
sonhos, objetivos, no meu caso foi o futebol.
Mais formação e mais educação dos
atletas são antídotos para evitar finais de carreira marcados por
desequilíbrios sociais e emocionais?
Não tenho qualquer dúvida. Além
disso, tenho dito que a formação e a educação pode funcionar também
como potenciador do desempenho desportivo.
Os valores astronómicos que
circulam nas transferências de jogadores continuam a bater
recordes. Admite que esta é uma bolha que um dia pode rebentar?
Quando me perguntam se fico
admirado com os valores das transferências, eu digo que não. Pois
se esses valores são praticados é porque existem recursos no mundo
desportivo. Fico mais admirado é com as discrepâncias dos
campeonatos europeus em relação ao português. Mas isso em Portugal
não é só no futebol, vê-se em diversas áreas. O grande problema,
comum, é que ainda não encontramos no futebol gestores capazes de
vender o nosso bom produto Futebol.
É embaixador do projeto UAARE
(Unidades de Apoio ao Alto Rendimento na Escola), coordenado pela
direção-geral de educação, que visa o conciliar da vida académica
com a carreira desportiva. Do conhecimento que tem desta realidade,
há ainda um longo caminho a percorrer na articulação entre estas
duas realidades?
A articulação é dura, porém posso
dizer que os resultados do projeto são fantásticos. Prospetivo que
o crescimento das escolas a integrar o projeto vai ser exponencial.
Esperemos que tenha um crescimento sustentado pois não tenho
dúvidas que vai ser reconhecido a nível nacional e
internacional.
Segundo um dado revelado
recentemente pelo Sindicato dos Jogadores, apenas 4 por cento dos
atletas em Portugal têm uma licenciatura. O Tarantini é,
porventura, dos jogadores da Primeira Liga com mais habilitações:
duas licenciaturas e um mestrado. Como conseguiu conciliar a
carreira académica com a desportiva?
No meu livro podem ver que a fase
mais difícil foi na faculdade, era uma gestão ao pormenor. Não foi
nada fácil, mas foi possível. O querer é o primeiro passo, depois o
acreditar que isso vai ser fundamental para o meu futuro como fator
de qualidade. Quando comecei esta caminhada pensava na formação
como um plano B, mas com o tempo vi que esse plano ajudou-me muito
no futebolista que sou hoje.
Treinadores ou dirigentes são,
muitas vezes, o futuro dos futebolistas após abandonarem a sua
carreira. Acredita que esta sua geração, daqui a uns anos, poderá
contribuir para um ambiente mais pacificado no futebol?
Infelizmente não consigo responder a essa pergunta.
Os últimos anos do nosso futebol
têm sido marcado por polémicas e suspeições várias. Quando o jogo
falado suplanta o jogo jogado não ficam desvirtuados os valores
fundacionais da modalidade?
Infelizmente não é só no futebol. É
um problema transversal na sociedade. Como tudo, as modalidades
crescem com os valores acrescentados pelas pessoas.
O VAR(Video-árbitro) tem sido
protagonista desta primeira metade de temporada. Partilha da
opinião que apenas tem servido para aumentar a confusão, sem ganhos
práticos em termos de transparência?
Eu sou justo, daí que sou a favor
de ferramentas que ajudem a tomar melhores decisões. Acredito que
com o decorrer do tempo o VAR vá funcionar cada vez melhor. Como em
muitos outras modalidades é uma tecnologia que veio para ficar e
ainda bem.
CARA DA NOTÍCIA
Mestre em Ciências do Desporto
Ricardo José Vaz Alves Monteiro, também conhecido por Tarantini,
nasceu em Gestaçô, concelho de Baião, a 7 de outubro de 1983. Aos 9
anos começou a jogar futebol nas «escolinhas» do Amarante até ao
primeiro ano de júnior. Conclui o ensino secundário aos 17 anos em
Amarante e entra na Universidade da Beira Interior, ao mesmo tempo
que continua a sua carreira de futebolista no Sporting da Covilhã.
Como escreve no seu site da internet, «foram 5 anos e 5 épocas que
marcaram a minha vida, em que tive de mãos dadas com a Universidade
e o Futebol». Depois do Gondomar e do Portimonense, chega em 2008
ao Rio Ave, onde o médio centro está há 9 anos, ostentando a
braçadeira de capitão. 2014 foi um ano quase perfeito, com a final
da Taça de Portugal, Taça da Liga e Supertaça Cândido de Oliveira,
todas perdidas para o Benfica. O clube de Vila do Conde participou
ainda na Liga Europa na época 2014/2015, onde repetiu presença no
ano seguinte. Depois da licenciatura ter ficado para trás, em
outubro de 2014, terminou o mestrado em Ciências do Desporto na
Universidade da Beira Interior.
Nuno Dias da Silva
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